Religioso é conhecido por
defender os direitos dos índios
Casaldáliga: espanhol vive em Mato Grosso desde a década de 1960
O bispo Pedro Casaldàliga, de 84 anos, se viu obrigado a deixar sua
casa em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, após receber ameaças de morte
por seu trabalho em defesa dos índios Xavante e de comunidades pobres. Francesc
Escribano, biógrafo do bispo e diretor da productora Minoria Absoluta, que
prepara uma minissérie de TV sobre Casaldàliga, explicou que o religioso deixou
sua casa a pedido da Polícia Federal. As autoridades o levaram a um local
desconhecido, onde conta com proteção policial, diante das ameaças de morte
recebidas nos últimos dias por parte de colonos que ocupam ilegalmente as
terras dos Xavantes. A Justiça está perto de decidir a favor dos índios na
disputa por terra, o que vem aumentando a violência por parte dos ocupantes
ilegais. O Conselho Indigenista Missionário emitiu um comunicado em
solidariedade com o bispo, no qual, junto com outras organizações locais,
defende o compromisso do religioso com "a defesa dos interesses dos mais
pobres e dos povos indígenas". Nascido de uma família de camponeses em
Balsareny, perto da Barcelona, em 16 de fevereiro de 1928, Casaldàliga foi
ordenado sacerdote em 1952. Em 1968 já morava no Mato Grosso e três anos depois
foi consagrado bispo de São Félix do Araguaia, município de 150 mil km² e uma
das maiores reservas indígenas do país. Nunca voltou À Espanha, nem mesmo para
o enterro de sua mãe. Tampouco cumpriu a visita obrigatória que os bispos devem
fazer a Roma a cada cinco anos para prestar contas ao Papa. "Sou um pobre
e os pobres não viajam", se justificava sempre. Ligado à teologia da
libertação, sofreu ameaças de morte e perseguições durante o regime militar e
de latifundiários da diocese, que chegaram a matar um vigário confundido com
ele. Paulo VI, que o fez bispo em meio ao impulso reformador do Concílio
Vaticano II, se viu obrigado a levantar a voz em
Roma para deixar claro que Pedro Casaldàliga era um dos seus. “Quem
atingir Pere, atingi Paulo", disse, em frase memorável. A ofensiva
posterior de João Paulo II contra os teólogos da libertação, entre os quais o
prelado catalão sempre foi uma referência, acabou mudando o panorama:
Casaldàliga foi por décadas um estorvo para Roma, que o aposentou em 2005.
Entidades divulgam nota de solidariedade a Dom Pedro Casaldáliga
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da
Terra (CPT) e mais 13 entidades e organizações da sociedade civil divulgaram
uma nota de solidariedade ao bispo prelado emérito de São Félix do Araguaia
(MT), Dom Pedro Casaldáliga. A nota se refere à desocupação das terras
indígenas Marãiwatsèdè Xavante, após mais de 20 anos de invasão por
fazendeiros, posseiros e pequenos produtores. Segundo a nota, as entidades
querem externar sua mais irrestrita solidariedade a dom Pedro. “Desde o momento
em que pisou este chão do Araguaia e mais precisamente, desde a hora em que foi
sagrado bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, sua ação sempre se pautou
na defesa dos interesses dos mais pobres, os povos indígenas, os posseiros e os
peões”. O bispo de São Félix, Dom Adriano Ciocca disse em nota que este é um
momento de muita apreensão e tensão na Prelazia por conta da retirada dos
ocupantes não-indígenas das terras de Marãiwatsèdè. Segundo ele, há muito
sofrimento, sobretudo dos mais pobres, por causa desta retirada determinada pela
justiça “Queremos lembrar que nós, bispos e agentes de pastoral, desde o início
desta ocupação alertamos e sempre continuamos alertando para a possibilidade do
atual desfecho por se tratar de terras cujo direito é garantido ao povo Xavante
pela Constituição Federal de nosso país”, disse. Leia abaixo a nota das
entidades:
Nota de solidariedade a Dom Pedro Casaldáliga
Ao se aproximar a desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsèdè, após
mais de 20 anos de invasão, quando os não indígenas estão para ser retirados
desta área, multiplicam-se as manifestações de fazendeiros, políticos e dos
próprios meios de comunicação contra a ação da justiça. Neste momento de
desespero, uma das pessoas mais visadas pelos invasores e pelos que os defendem
é Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, a quem estão
querendo, irresponsável e inescrupulosamente, imputar a responsabilidade pela
demarcação da área Xavante nas terras do Posto da Mata. As entidades que
assinam esta nota querem externar sua mais irrestrita solidariedade a Dom
Pedro. Desde o momento em que pisou este chão do Araguaia e mais precisamente,
desde a hora em que foi sagrado bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, sua
ação sempre se pautou na defesa dos interesses dos mais pobres, os povos indígenas,
os posseiros e os peões. Todos sabem que Dom Pedro e a Prelazia sempre deram
apoio a todas as ocupações de terra pelos posseiros e sem terra e como estas
ocupações foram o suporte que possibilitou a criação da maior parte dos
municípios da região. Em relação à terra indígena Marãiwatsèdè, dos Xavante, os
primeiros moradores da região nas décadas de 1930, 40 e 50 são testemunhas da
presença dos indígenas na região e como eles perambulavam por toda ela. Foi com
a chegada das empresas agropecuárias, na década de 1960, com apoio do governo
militar, que a Suiá Missu se
estabeleceu nas proximidades de uma das aldeias e até mesmo
conseguiu o apoio do Serviço de Proteção ao Índio para se ver livre da presença
dos indígenas. A imprensa nacional noticiou a retirada de 289 xavante da região
os quais foram transportados em aviões da FAB, em 1966, para a aldeia de São
Marcos, no município de Barra do Garças. Em 1992, a AGIP, empresa italiana que
tinha comprado a Suiá Missu das mãos da família Ometto, quis se desfazer destas
terras. Por ocasião da ECO-92, sob pressão inclusive internacional, a empresa
destinou 165.000 hectares para os Xavante que, durante todo este tempo,
sonhavam em voltar à terra de onde tinham sido arrancados. Imediatamente
fazendeiros e políticos da região fizeram uma grande campanha para ocupar a
área que fora reservada aos Xavante, precisamente para impedir que os mesmos
retornassem. Já no dia 20 de junho de 1992, algumas áreas tinham sido ocupadas
e foi feita uma reunião no Posto da Mata, da qual participaram políticos de São
Félix do Araguaia e de Alto Boa Vista e também havia repórteres. A reunião foi
toda gravada. As falas deixam mais do que claro que a invasão da área era
exatamente para impedir a volta dos Xavante. “Se a população achou por bem
tomar conta dessa terra em vez de dá-la para os índios, nós temos que dar esse
respaldo para o povo” (José Antônio de Almeida – Bau, prefeito de São Félix do
Araguaia). “A finalidade dessa reunião é tentarmos organizar mais os posseiros
que estão dentro da área... Se for colocar índio no seu habitat natural, tem
que mandar índio lá para Jacareacanga, ou Amazonas, ou Pará...” (Osmar Kalil –
Mazim, candidato a prefeito do Alto Boa Vista). “Nós ajudamos até todos os
posseiros daqui serem localizados... Chegou a um ponto, ou nós ou eles (os
Xavante) porque nós temos o direito... Dizer que aqui tem muito índio? Aqueles
que estão preocupados com os índios que tem que assentar. Tem um monte de país
que não tem índio. Pode levar a metade... Na Itália tem índio? Não, não tem!
Leva! Leva pra lá! Carrega pra lá! Agora, não vem jogar em nós, não... (
Filemon Costa Limoeiro, à época funcionário do Fórum de São Félix do Araguaia)
A área reservada aos Xavante foi toda ocupada por fazendeiros, políticos e
comerciantes. Muitos pequenos foram incentivados e apoiados a ocupar algumas
pequenas áreas para dar cobertura aos grandes. O governo da República, porém
estava agindo e logo, em 1993, declarou a área como Terra Indígena que foi
demarcada e, em 1998 homologada pelo presidente FHC. Só agora é que a justiça
está reconhecendo de maneira definitiva o direito maior dos índios. O que D.
Pedro sempre pediu, em relação a esta terra, foi que os pequenos que entraram
enganados, fossem assentados em outras terras da Reformas Agrária. Mas o que se
vê é que, ontem como hoje, os pequenos continuam sendo massa de manobra nas
mãos dos grandes e dos políticos na tentativa de não se garantir aos povos
indígenas um direito que lhes é reconhecido pela Constituição Brasileira. Mais
uma vez, queremos manifestar nossa solidariedade a Dom Pedro e denunciar mais
esta mentira de parte daqueles que tentam eximir-se da sua responsabilidade
sobre a situação de sofrimento, tensão e ameaça de violência que eles mesmos
criaram, jogando esta responsabilidade sobre os ombros de nosso bispo emérito.
5 de dezembro de 2012
Conselho Indigenista Missionário – CIMI - Brasilia Comissão
Pastoral da Terra – CPT - Goiânia Escritório de Direitos Humanos da Prelazia de
São Félix do Araguaia – São Félix do Araguaia Associação de Educação e
Assistência Social Nossa Senhora da Assunção – ANSA – São Félix do Araguaia
Instituto Humana Raça Fêmina – Inhurafe – São Félix do Araguaia Associação
Terra Viva – Porto Alegre do Norte Associação Alvorada – Vila Rica Associação de
Artesanato Arte Nossa – São Félix do Araguaia Grupo de Pesquisa Movimentos
Sociais e Educação - GPMSE - Cuiabá Associação Brasileira de Homeopatia Popular
– ABHP - Cuiabá Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso - FDHT -
Cuiabá Centro Burnier Fé e Justiça – CBFJ - Cuiabá Fórum Matogrossense de Meio
Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD - Cuiabá Instituto Caracol – ICARACOL -
Cuiabá Rede de Educação Ambiental de Mato Grosso – REMTEA - Cuiabá